A vida é um sopro e ninguém está preparado pra isso.
Ninguém está preparado para a decadência física e mental, para ter consciência
do que está ali adiante com o passar dos anos, para se olhar no espelho e não se
reconhecer. Ninguém está preparado para abraçar uma pessoa e dizer que a ama,
só para no dia seguinte, na hora seguinte ou no minuto vindouro ter que aceitar
que nunca mais terá aquele abraço, aquela companhia, aquele olhar, aquela
presença acalentadora. Há vinte e cinco anos tínhamos uma vida que não
estávamos preparados para deixar, e ela se foi num piscar de olhos, sem que
tivéssemos controle sobre as mudanças. Projetamos vinte e cinco anos à nossa
frente e, dependendo da nossa idade, de nosso espírito, não sabemos se o
panorama é positivo. A vida é cheia de vastas planícies e crepúsculos
maravilhosos. Mas é também uma cela, que nos condena ao mesmo destino, tão
certo como a beleza de tudo que experimentamos e que não queríamos que fosse
embora. Tudo de lindo que há no mundo nos é concedido com uma mão e
tirado com a outra. E temos que nos resignar, agradecidos pelo nosso tempo,
porque não somos diferentes do outro que se foi cedo ou daquele que desfrutará
das paisagens por mais tempo, mas verá a decadência mais de perto. Toda a
beleza do mundo nos foi emprestada, pois teremos de ir embora da festa a
qualquer momento. E ela vai continuar para sempre, com convidados entrando e saindo,
fazendo dela um grande acontecimento, embora ninguém precise ficar para que o
espetáculo siga em frente. A vida é um oceano de dores, amores, olhares e sonhos,
navegado por milhares de marujos de primeira viagem, que partirão antes que
aprendam o suficiente para dominar as marés.
terça-feira, 11 de abril de 2017
quarta-feira, 5 de abril de 2017
Segredos
O tiozinho que vende doces na calçada, em
frente ao posto de saúde, conta piadas para alegrar a fila de idosos e mães com crianças de colo
que acordaram às quatro da manhã pra conseguir seu remédio, enquanto disfarça a
dor de um divórcio recente. O senhorzinho mais assíduo e alegre do bar, que
fica na última rua do bairro mais afastado do centro da cidade, sempre está
disposto a fazer todos rirem, enquanto guarda no peito mágoas que o matam um
pouquinho a cada dia. A senhorinha que faz café e serve aos empresários mais
ricos, reunidos na sala anexa à do prefeito, sempre agrada a todos com seu
sorriso simpático, antes de encerrar mais um dia de trabalho e se dirigir ao
turno da noite, para cuidar com amor e paciência de seu filho com paralisia
cerebral. Ninguém nunca soube. Jamais alguém saberá.
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