quarta-feira, 2 de abril de 2014

Breaking Bad e o despertar da mortalidade


Há exatos dois meses (*), assinei o Netflix e passei a acompanhar a série norte-americana Breaking Bad, que foi filmada a partir de 2007 na cidade de Albuquerque, Novo México, e teve seu último episódio veiculado no canal AMC neste domingo. 
Considerada por muitos dos 7 milhões de espectadores que acompanharam os últimos dois episódios como o melhor seriado de TV de todos os tempos, ele reúne elementos que dão pistas do porquê de tanto sucesso.
Eu havia assistido um ou outro episódio na televisão e gostado da premissa da série, mas a comodidade de ver os episódios na ordem em que foram produzidos e no momento mais apropriado, me propiciou uma verdadeira experiência de imersão, até alcançar em tempo real os últimos capítulos das aventuras de Walter White, um pacato professor de química que, aos 50 anos, descobre um câncer de pulmão e passa a cozinhar meta-anfetamina com um ex-aluno, sob o pretexto inicial de deixar um “pé-de-meia” para a família.
À época em que comecei a assistir estava passando por quase os mesmos dilemas filosóficos de White, mas, desconfio que o segredo do sucesso desse seriado é que quase cada um dos telespectadores pode dizer o mesmo.
No caso de White, a angústia extrema vem porque se vê à beira da morte em uma idade em que quase nada será possível mudar em seu futuro e, ao olhar à sua volta, enxerga uma vida medíocre de classe média e um passado que o amargura com a ideia de que poderia ter aproveitado melhor seus talentos, para poder deixar sua família em condições financeiras mais favoráveis.
O que, para piorar o quadro, não aconteceu por muito pouco, já que o mal pago professor de química White vendeu anos atrás por míseros 10 mil dólares sua parte em uma empresa que mais tarde valeria muitos bilhões de dólares.
Ao ver a face da morte lhe sorrindo bem de perto, e a vida fazendo muito pouco sentido - além do fato de ter uma esposa, um filho adolescente deficiente físico e um novo bebê a caminho -White abre mão de qualquer senso de moralidade e escolhe aquilo que parece mais lógico no momento: utilizar seus talentos como químico para ganhar dinheiro produzindo e vendendo a melhor meta-anfetamina possível, associando-se ao ex-aluno Jesse Pinkman, já iniciado no mundo do crime.
Nos primeiros dois episódios, a maior parte da graça da série vem justamente da “química” entre os dois personagens, com o perdão do trocadilho infame, porém inevitável. O professor pacato e caretão de meia-idade ao lado do moleque fã de hip-hop, viciado no produto que fabrica e que só fala em forma de gíria, um fornecendo ao outro o tipo de conhecimento que lhe falta.
E que vai transformando os personagens, até o ponto em que o professor White, ou Heisenberg, como fica conhecido no submundo das drogas, descobre ser outra pessoa, como se seu verdadeiro talento estivesse o tempo todo escondido debaixo das vestes de pai de família anestesiado pela rotina da vida. Por sua vez, Pinkman vai mudando também ao longo das aventuras da dupla, ao ponto de perceber-se quase o oposto do bandido no qual seu parceiro se transformou.
Tudo isso adornado por atuações impecáveis, fotografia primorosa e trilha sonora sensacional.
Pelo menos para a maior parte dos telespectadores, não será necessário um mergulho no mundo do crime para que descubra seus talentos escondidos e promova uma guinada em direção a uma vida menos ordinária, antes de um dia realmente se dar conta de sua mortalidade. Mas a lição deixada pelo professor White, brilhantemente interpretado pelo ator Bryan Cranston e genialmente idealizado por Vince Gilligan, criador e roteirista da série, é muito clara: Viva livremente. Ou morra.


(*) Texto de 30 de setembro de 2013.

2 comentários:

  1. Eu adoro esse texto, acabo de ler pela segunda vez. BrBa é realmente uma experiência muito interessante... não classifico entre as minhas melhores séries, mas gostei muito de acompanhar o drama do Walter (sem falar que é uma delícia ver a atuação do Bryan Cranston). E mais interessante ainda, é que como no início da história eu adorava o Walt e odiava o Jesse, e na última temporada esse sentimento se inverteu totalmente, de maneira gradual.
    "anestesiado pela rotina da vida", Roberto, é sempre um imenso prazer ler sua escrita, ótima escrita!

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    1. Oi Jackie!

      Muito obrigado por ler novamente e pelos elogios! Essa série realmente não decepciona ninguém, né? Tem vários níveis possíveis de leitura. Valeu!!! Bjo!!!

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